quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Argentina ratifica que pagará dívida com Clube de Paris

Buenos Aires, 9 out (EFE) - O Governo da Argentina ratificou hoje que cumprirá a promessa de pagar as dívidas com o Clube de Paris no valor de US$ 6,7 bilhões, derivada da moratória decretada em 2001.

"A dívida com o Clube de Paris será paga", ressaltou o ministro da Justiça, Aníbal Fernández, que destacou que o assunto "não se resolve de forma imediata", porque "é necessário um prazo determinado para ir cumprindo todos os passos".

"São muitos os atores que estão no meio" desta operação, disse a jornalistas, referindo-se a que o Clube de Paris é formado por bancos públicos e Governos de 19 países desenvolvidos.

O ministro falou sobre o assunto em um momento em que se conjetura se, por causa da crise financeira internacional, o Governo voltaria atrás na promessa de pagar a dívida feita pela chefe do Estado, Cristina Fernández de Kirchner, no início de setembro.

Aníbal Fernández não quis comentar a possibilidade de que a Argentina peça para pagar sua dívida em cotas em vez de com um só pagamento e com as reservas do Banco Central, como tinha anunciado a governante.

Neste sentido, analistas argentinos aconselharam proteger as reservas monetárias (US$ 45 bilhões) em previsão do impacto que a crise financeira global possa ter neste país.

Outras fontes oficiais consultadas pela Agência Efe não confirmaram ou desmentiram que o pagamento em cotas seja uma das alternativas que serão debatidas em reunião que o ministro da Economia, Carlos Fernández, manterá com diretores do Clube de Paris na Assembléia do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington.

Carlos Fernández, quem chegou hoje à capital americana acompanhado do presidente do Banco Central argentino, Martín Redrado, entre outros funcionários, também deve se reunir com investidores e banqueiros, informaram as fontes.

Um grupo de bancos estrangeiros apresentará hoje perante a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, em inglês) uma proposta para que a Argentina refinancie bônus por US$ 20 bilhões em mãos de credores que rejeitaram a reestruturação de 2005, com a qual o país saiu da moratória declarada em 2001.

"A Argentina tem uma economia sólida, certamente seremos um pouco afetados pelo que está acontecendo no mundo, mas a realidade é que a Argentina nunca esteve tão bem quanto neste momento", insistiu hoje o ministro da Justiça.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

"Lulamania" está no auge no Brasil, diz jornal argentino

da BBC Brasil

Uma reportagem do jornal argentino "La Nación" afirma nesta quarta-feira que "a Lulamania continua no auge" no Brasil.

O artigo se refere aos índices de aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que atingiram o recorde de 77,7% na última pesquisa trimestral do instituto Sensus --superando o nível de 2003, quando chegou ao poder pela primeira vez.

A matéria aponta que Lula é o presidente "mais apreciado da história recente do Brasil, um país que cresce a um ritmo maior que 5% ao ano e que exerce uma marcada influência regional".

Os resultados deram cacife para o presidente apresentar em Nova York, na Assembléia Geral da ONU, a campanha "Brasil sensacional", de promoção turística.

O "La Nación" diz que a aprovação do governo Lula --68,8%-- se explica pelo bom ritmo econômico e os programas sociais que alcançam os estratos sociais mais pobres.

Entretanto, prossegue o artigo, a boa imagem de Lula, que seria "imbatível" na disputa por um terceiro mandato, não se estende a outros membros do PT.

Nas pesquisas, um candidato da sigla oficial correria o risco de sequer passar para o segundo turno.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

'Lula toma as rédeas na crise boliviana', diz 'El País'

A cúpula da Unasul realizada na segunda-feira à noite para discutir a crise na Bolívia marca o crescente peso que o presidente Luís Inácio Lula da Silva está adquirindo na região, segundo reportagem publicada nesta terça-feira pelo jornal espanhol El País.

Em matéria intitulada, "Lula toma as rédeas da crise boliviana", o diário diz que Lula apresentou uma série de exigências para aceitar ir ao encontro em Santiago do Chile, e o fato de elas terem sido acatadas, demonstram sua importância na mediação do conflito.

"A presidente do Chile, Michelle Bachelet - país que exerce a presidência temporária da Unasur -, convocou a reunião, mas foi Lula quem deu transcendência a ela, ao confirmar sua presença e conseguir que as partes em conflito na Bolívia lhe entregassem sua confiança", escreve o El País.

"Lula impôs condições para viajar a Santiago e as conseguiu. Pediu uma trégua prévia entre (o presidente boliviano Evo) Morales e a oposição, o que foi feito. Exigiu a aceitação expressa de La Paz para que ele intercedesse na crise, e a obteve. Mais, os rivais de Morales comemoraram a mediação brasileira, apesar de Lula os ter repreendido por usar a violência para desafiar o governo." Ainda segundo o jornal, na cúpula ficou mais clara a distância que se abre entre o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, "que se converteu em ator do conflito ao expulsar de seu país, em solidariedade com Morales, o embaixador dos Estados Unidos, e que chegou a Santiago com um discurso antiimperialista", e Lula, cujo país "requer gás boliviano e que nos dias anteriores se transformou em estandarte da não intervenção nos assuntos internos do país".

A reunião só se tornou viável com a presença de Lula, que antes de aceitar participar teria exigido a presença de Morales e que ele aceitasse os resultados, diz o jornal, para quem "o Brasil não quer ingerências externas no conflito, nem insultos aos Estados Unidos".

"Sem a presença dos Estados Unidos na Unasul - uma das razões que explica a existência deste foro -, o Brasil, maior potência econômica da América do Sul, está começando a exercer nesta crise um papel mais preponderante. Além dos vínculos energéticos, e de ser o maior sócio comercial da Bolívia, o Brasil divide uma fronteira de 3.400 quilômetros com o país andino, cuja importância estratégica, apesar da falta de litoral, foi percebida cedo por Che Guevara nos anos 60." O El País conclui dizendo que antes de partir para a cúpula, Lula parece ter mandado um recado para a Venezuela e Washington, quando afirmou que uma solução para a crise requer a consolidação do processo democrático e de respeito à Constituição.

'Washington Post' Ainda sobre a crise na Bolívia, o jornal americano Washington Post publica nesta terça-feira um editorial em que afirma que Morales está levando o país "à desintegração ou guerra civil".

"Ficou claro há muito tempo que a tentativa do presidente Evo Morales de importar o modelo de socialismo autoritário de Hugo Chávez para a Bolívia polarizou o país em torno de linhas étnicas e geográficas, arriscando desintegração ou guerra civil", afirma o editorial.

O diário destaca que o Exército ocupou uma dos cinco Departamentos liderados pela oposição, depois dos confrontos que deixaram 30 mortos nos últimos dias, e afirma que os dois lados estão recorrendo à violência.

"Os governos (estaduais) da oposição merecem culpa por tolerar - no mínimo - a violência de seus correligionários. Mas Morales permanece o maior provocador na Bolívia. Encorajado por sua vitória no referendo revogatório de agosto, ele tentou marcar outro referendo sobre a Constituição, que aumentaria ainda mais sua autoridade." O editorial ainda comenta a cúpula da Unasul, afirmando que "Chávez está fazendo o melhor que pode para escalar a crise, até ameaçando intervir militarmente na Bolívia".

"Mas os Estados Unidos também têm poder de influência. A Bolívia recebe mais de US$ 100 milhões em ajuda americana por ano, e cerca de 30 mil empregos no país mais pobre da América do Sul dependem da renovação das preferências comerciais que expiram em dezembro", afirma o Washington Post, para quem os contratos só devem ser renovados se Morales chegar a um acordo com a oposição.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Lula e Cristina Kirchner discutem sistema de pagamento em moeda local

Carolina Pimentel
Repórter da Agência Brasil


Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reúne-se amanhã (8) com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Eles devem discutir os últimos ajustes para a implementação do sistema de pagamento em moeda local, que elimina o dólar das transações comerciais entre Brasil e Argentina.

Com esse sistema, as empresas poderão fazer compras e vendas em real e peso. Em agosto, quando esteve em Buenos Aires, o presidente Lula disse que a medida permitirá redução de custos do comércio, sobretudo para as pequenas e médias empresas, aproximará os sistemas dos bancos centrais e estimulará a consolidação de mercados cambiais em moeda nacional.

Na reunião no Palácio do Planalto, Lula e Cristina devem assinar acordo de cooperação para identificar projetos de desenvolvimento e integração da cadeia produtiva entre os dois países, sendo que cada um financiará seus próprios projetos por meio de suas instituições oficiais - do lado brasileiro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo país vizinho, o Banco de Inversión y Comercio Exterior (Bice).

domingo, 7 de setembro de 2008

Cristina Kirchner diz que neoliberalismo prejudicou América Latina

Brasília, 6 set (EFE).- A presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, afirmou hoje no Brasil que a América Latina está "começando a renascer", após o "dano" do neoliberalismo na região.

"O neoliberalismo causou uma enorme tragédia" e agora a América Latina está "em uma etapa de fundação", disse Cristina em um ato realizado nos arredores da cidade de Recife, onde iniciou hoje uma visita de três dias ao país.

Cristina presidiu a inauguração de uma fábrica de moinhos para a geração de energia eólica do grupo argentino Industrias Metalúrgicas Pescarmona S.A. (Impsa), e destacou esta iniciativa como um exemplo do que deve ser a integração.

A presidente argentina sustentou que a América Latina é hoje uma região "democrática, livre e sem restrições" e afirmou que "a integração não é uma opção", mas o "único caminho possível para remontar uma história de decepções e fantasmas".

Depois do ato de inauguração da fábrica, a presidente argentina viajou para Brasília, onde amanhã assistirá a um desfile cívico-militar de celebração dos 186 anos da Independência do Brasil, para o qual foi convidada especialmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segunda-feira, Cristina fará sua primeira visita de Estado ao país desde que assumiu o poder, em dezembro do ano passado, e depois retornará a Buenos Aires.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Disputa econômica ficou para trás (Tribuna da Imprensa)

BUENOS AIRES - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Brasil tornaram-se, nos últimos anos, uma fonte de admiração e saudável inveja na Argentina. As lideranças da oposição recorrem constantemente à figura do presidente brasileiro para citá-lo como exemplo de consenso, em contraposição com as personalidades adeptas ao confronto político como a presidente Cristina Kirchner e seu marido e ex-presidente Néstor Kirchner.

Os empresários suspiram ao ver os substanciais créditos outorgados pelo BNDES, lamentam a inexistência de uma entidade financeira similar na Argentina e sonham com os polpudos financiamentos "à moda brasileira" ao setor agropecuário (enquanto que na Argentina, os ruralistas são alvo de retaliações do governo local).

A própria presidente Cristina Kirchner, no comício de lançamento de sua campanha eleitoral, há exatamente um ano, fez uma única referência à uma empresa. A companhia citada foi a Embraer. "Um exemplo a ser seguido", exclamou Cristina na ocasião. "O Brasil é um exemplo a imitar", sustenta Alieto Guadagni, ex-diretor da Argentina no BID. Depois, espeta o governo Cristina: "O Brasil responde aos desafios estimulando sua produção, e não colocando um monte de impostos sobre ela.

Enquanto isso, a Argentina optou por desestimular a oferta produtiva". "A Argentina não ambiciona mais, como a meados dos anos 90, durante a presidência de Carlos Menem, em disputar a liderança com o Brasil. Isso está enterrado no passado", diz o ex-Secretário de Comércio, Raúl Ochoa. "Essa sensação ocorre desde 1999, quando a Argentina estava em recessão, e aprofundou-se com a crise de 2001- 2002. De lá para cá, o Brasil tomou outro destino, e a Argentina ficou para trás."

No passado, o peso do Brasil na região soava como uma "ameaça" para a Argentina. Mas, desde a crise de 2001-2002, a percepção dos argentinos sobre seu próprio país e o vizinho mudou. Agora a força da economia brasileira e sua influência política é encarado como uma "oportunidade" para a Argentina. Segundo os analistas, o crescimento do Brasil vai beneficiar os argentinos tanto pela expansão da demanda de produtos Made in Argentina para o mercado do sócio do Mercosul como pelo maior fluxo de capitais do Brasil no país.

"A Argentina precisa aproveitar melhor o crescimento brasileiro", sustenta Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb. "É preciso grudar no Brasil e aproveitar sua expansão", afirmam analistas, após destacar a transformação do Brasil no potencial "celeiro do mundo" (título que a Argentina ostentava há um século) e de suspirar de inveja pela descoberta de petróleo na plataforma marítima.

Nos últimos seis anos, dezenas de empresas brasileiras expandiram-se na Argentina, entre elas a Petrobras (que adquiriu a energética Pérez Companc), a AmBev (que comprou a cervejeira Quilmes) e a Camargo Corrêa (que ficou com a Loma Negra, a maior empresa de cimento do país). No total, as empresas brasileiras investiram US$ 8 bilhões na Argentina.

domingo, 3 de agosto de 2008

Lula e Cristina Kirchner tentam impulsionar negócios entre Brasil e Argentina

Paula Laboissière
Enviada especial


Buenos Aires - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega a Buenos Aires no final da tarde de hoje (3). Acompanhado por 264 empresários brasileiros, ele participa amanhã (4) da cerimônia de abertura de um encontro empresarial entre o Brasil e a Argentina. A presidente do país vizinho, Cristina Kirchner, também abre o evento, numa tentativa de impulsionar os negócios entre os dois países.

Após divergências de posicionamento entre os dois países durante as negociações da Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC), Lula deverá defender o fortalecimento da integração de países da América do Sul.

Este será o primeiro encontro bilateral dos dois líderes após a Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, na cidade argentina de San Miguel de Tucumán, no dia 1º de julho.

A comitiva de empresários brasileiros deve se juntar a outros 100 participantes do seminário Argentina-Brasil: uma Aliança Produtiva Chave, a partir das 10h de amanhã. Em seguida, às 11h, Lula se reúne com Cristina na Casa Rosada – sede do governo argentino – e de um almoço, agendado para as 13h no Palácio San Martin.

Informações não-oficiais divulgadas pela embaixada do Brasil em Buenos Aires indicam que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, também deve visitar a Argentina amanhã mas que o líder brasileiro não estaria interessado em um encontro trilateral. Lula poderá, portanto, antecipar sua volta ao Brasil, prevista até então para as 16h30.

Em Tucumán, Chávez, Cristina e Lula haviam acordado em se encontrar posteriormente para discutir temas de interesse para a América do Sul.

A chegada do presidente Lula está prevista paras as 18h20. À noite (20h30), ele tem jantar marcado com a presidente argentina, Cristina Kirchner, na residência da Embaixada Brasil.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Vice de Cristina Kirchner vive dia de "herói" após impor derrota ao governo no Congresso; "Até Maradona me telefonou", gaba-se

Márcio Resende
Especial para o UOL

Em Buenos Aires

Heroísmo e traição. As duas palavras mais repetidas na Argentina nas últimas horas em referência ao vice-presidente, Julio Cobos, mostram a polarização do país depois de mais de quatro meses de um conflito agropecuário cujo epicentro foi o aumento no imposto às exportações de grãos, as chamadas retenções.

Considerado "traidor" por governistas, mas visto como "herói" pela maior parte da sociedade, o vice-presidente que tomou a decisão de pacificar o país em vez de obedecer as ordens da presidente Cristina Kirchner, foi o protagonista de um surpreendente desenlace que dinamitou o capital político da presidente, há apenas sete meses no cargo.

A votação sobre o projeto de lei que aumentava as retenções terminou empatada em 36 votos e coube ao presidente do Senado, também vice-presidente da República, Julio Cobos, o "voto de Minerva" que impôs a Cristina e ao ex-presidente da República e atual presidente do Partido Justicialista (peronista), Néstor Kirchner, uma derrota histórica, abrindo as portas para uma crise político-institucional que leva incertezas ao futuro imediato do país.

Cobos foi recebido como um herói na sua terra Natal, a província de Mendoza, no extremo oeste do país, onde procurou refúgio ao lado da família. O vice-presidente foi obrigado a percorrer os 1.100 quilômetros que separam Buenos Aires de Mendoza de carro, já que não conseguiu a liberação de um avião da Presidência.

Atravessou o país numa épica caravana saudada com entusiasmo pelo povo por onde passava. Ao chegar no final da noite, foi aplaudido pela multidão à porta da sua casa.

"Até Maradona telefonou"

"Até Maradona me telefonou para dizer que eu o fiz recuperar o orgulho de ser argentino", contou. Cobos admitiu que não recebeu nenhum telefonema de Cristina, com quem não tem uma conversa há um mês. Enquanto os Kirchner buscavam votos para aprovar o aumento das retenções, Cobos buscava consenso e discordava da intransigência do casal; o que lhe valeu um abandono político dentro do próprio governo.

"Ninguém me pressiona. Eu funciono baseado nas minhas convicções. (Os Kirchner) tinham que ter percebido que dentro do próprio oficialismo havia vozes dissidentes", indicou.

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Julio Cobos, vice-presidente da Argentina, derrubou a lei de impostos e impôs duro golpe a Cristina Kirchner

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Fortalecido dentro de um governo enfraquecido, Cobos rejeitou a versão de uma candidatura para suceder Cristina Kirchner em 2011, embora tenha saudado a multidão da janela da sua casa com uma bandeira argentina e comos braços abertos numa imagem que lembrava a de um presidente na varanda da Casa Rosada.

Era o final de uma jornada repleta de rumores exagerados de renúncia tanto do vice-presidente quanto da própria presidente.

Renúncia

Antes de viajar, Cobos afirmou que não pensa em renunciar diante das versões de uma crise interna irreconciliável com a Presidência.

"Se me pedirem a renúncia, estariam afetando a institucionalização porque fui eleito com a mesma quantidade de votos que a presidente", refletiu. E também usou a palavra traição, mas para se defender. "Renunciar seria trair a vontade popular dos que votaram em mim", interpreta. "Escutei vários dirigentes que falaram sobre a minha renúncia se eu votasse contra. As pessoas querem viver tranquilas e querem que os políticos tenham humildade", priorizou. "Há uma crise social; não política", desconversou.

Ainda está fresca na lembrança dos argentinos a renúncia, em outubro de 2000, do então vice-presidente Carlos "Chacho" Álvarez (atual presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul). A saída de Álvarez, também por discordar da postura do então presidente Fernando de la Rúa, é apontada como o ponto de inflexão de uma crise política que, como peças de um dominó, desencadeou no colapso de 2001.

Origens diferentes

Julio Cobos provém de outro partido, a União Cívica Radical (UCR), que sempre rivalizou com o peronismo. O partido sempre se caracterizou pelo apego às instituições e à Constituição. Os Kirchner convidaram Cobos para a chapa de Cristina, com a estratégia de gerar uma imagem de pluralidade. A aceitação valeu a Cobos a expulsão da UCR, onde era considerado um traidor.

As funções de um presidente do Senado são limitadas. Só pode conduzir as sessões, sem direito a voz. Nunca antes na história argentina uma votação dessa dimensão terminou empatada e precisou do voto de desempate do vice-presidente da República numa postura contrária à do próprio governo. De figura decorativa, Cobos transformou-se em protagonista.

"(Os Kirchner) têm que compreender que venho de outro espaço político e que posso ter uma opinião diferente", afirmou.

Cristina sente-se traída

À noite, na sua primeira aparição pública, Cristina lançou duras críticas indiretas aos traidores, mas não mencionou a derrota no Senado. Transformou uma simples inauguração das obras de remodelação de um pequeno aeroporto no Norte do país num show patriótico com direito a hino nacional. Perante militantes estrategicamente convocados, elogiou a possibilidade de "olharmos nos olhos e saber que que nunca nos traímos".

Numa alusão ao vice-presidente Cobos, usou a ironia para dizer que "alguns talvez não tenham entendido o que dissemos em outubro (quando foi eleita), mas talvez algum dia entendam porque alguns demoram mais para entender as coisas do que outros".

Governabilidade

Mas, segundo prestigiosos analistas políticos, talvez seja a presidente quem ainda não tenha entendido que foi posto um limite para a acumulação de poder.

Para Joaquim Morales Solá, "Cobos acabou com uma forma dos Kirchner de governar e com um estilo de mandar ao longo de cinco anos".

"Cobos não foi um carrasco oportunista, mas sim a expressão definitiva de uma crise na opinião pública, na confiança social sobre a economia, nos aliados e em grande parte do peronismo. O governo usou e abusou da hegemonia. Foi para o tudo ou nada e a derrota abateu-se definitivamente sobre o oficialismo. Agora uma administração enfraquecida deverá afrontar mais três anos e meio de vida", avalia.

Dentro do próprio peronismo, já se fala de um pós-kirchnerismo. E dentro do governo, há rumores sobre uma renovação ministerial para dar oxigênio a uma presidente cuja popularidade está em franco declínio, segundo as sondagens. Há seis meses, o casal Kirchner se gabava de ter o controle de dois terços do Senado. Nunca um governo perdeu tanto em tão pouco tempo.

"Chegou ao fim a forma de governar do ex-presidente Néstor Kirchner que faz do conflito constante uma forma de construir poder sem nunca ceder. As crises são oportunidades e a presidente está diante da grande possibilidade de construir uma política de consensos diferente da que, em sete meses de governo, causou-lhe um alto desgaste. Se a presidente mantiver a linha de confrontação, haverá problemas de governabilidade", prevê o analista Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos Nova Maioria.

A fenda que já existia entre os Kirchner e Cobos antes da votação transformou-se agora num abismo, o pêndulo da credibilidade está do lado de Cobos. É a presidente quem deve aproximar-se do seu vice.

"Cristina Kirchner pode ter Julio Cobos como um aliado para conseguir consensos ou pode encará-lo como um traidor. Terá mais chance de governabilidade se aproximar-se de Cobos do que se o atacar", acredita.

"Judas"

O estilo imperativo na hora de governar fica claro na obediência automática imposta à tropa. Aquele que ousa questionar as ordens é classificado como traidor. Na madrugada da votação, Cobos sofreu a pressão kirchnerista nas entrelinhas das advertências. O líder da bancada governista no Senado, Miguel Pichetto, usou uma passagem bíblica sobre a traição para comparar Cobos com Judas diante de todo o país.

"Jesus disse aos discípulos: 'O que tiver de ser feito, que seja feito rapidamente'. Não gostaria de estar no seu lugar", disse diretamente a Cobos, segundos antes do voto do vice-presidente, em referência às palavras de Jesus a Judas na Última Ceia.

Imediatamente depois de Cobos votar contra o governo, os militantes kirchneristas pixavam nas imediações do Congresso: "Cobos traidor".

Apesar de derrubado, aumento continua vigente

O clima pelo interior do país era de festa. Buzinas e caravanas de tratores para receber os ruralistas. Mas as entidades agropecuárias avisaram que a luta continua. A lei foi rejeitada pelo Congresso, mas a resolução ministerial que aumenta as retenções de 35% a mais de 50% de acordo com o cereal e com o valor internacional do produto continua vigente.

Os ruralistas emitiram um documento intitulado "A República sai fortalecida", no qual exortam o governo a derrubar a medida de aumento das retenções. O texto também agradece especialmente ao vice-presidente Cobos pelo seu voto e pede ao governo que seja criada uma mesa de diálogo para a nova fase da luta: a elaboração de uma política agropecuária integral. O aumento no imposto era o carro-chefe do conflito, mas outras reclamações relacionadas com o trigo, com a carne e com o leite faziam parte do protesto.
UOL